31.1.11

Uma maravilha de reza




Roubada daqui, inclusivé a ideia da imagem. Não sou de assaltar ninguém, salvo quando, puto andava à fruta, por assim me saber melhor. À letra, coisas do fruto proibido. Mas a esta maravilha não resisti. E tanto que me parece ter descoberto o livro que já comprei online e onde virá, creio, com mais, esta maravilha. Depois conto, ressarcindo assim também os autores da entrada, espero.

REZA DE BENZEDEIRAS NO NORTE DE PORTUGAL

Fulano, estás enfeitiçado,
inchado, virado ou mal-olhado?
Eu te desenfeitiço, desligo, talho
e desenlaço.
(Fazendo uma cruz no ar)
Eu talho o sopro do vento:
o ar de cima e o ar de baixo;
o ar do norte e o ar do sul;
o sopro do vento e o da chuva,
ar de cristão, de judeu ou de pagão.
Eu talho tudo.
Onde quer que sejas,
o mal da inveja,
ou a água do ventre.
Eu te talho e te degrado
para as ondas do Mar Coalhado
onde não canta galinha nem galo.
Para que o corpo
torne ao estado
como foi nascido e gerado
pelo poder de Deus e da Virgem Maria.

29.1.11

Afonso Duarte



CAMPO
A Alberto Martins de Carvalho

Este verde impossível de se ver,
Que alegre o camponês cultiva o prazo,
Não dá sequer para me aborrecer
Na extensão sem fim do campo raso.

Sem fim, a vida, deixa se correr
Lisa e fatal, serena, sem acaso.
E acontece o que tem de acontecer
Como quem já da vida não faz caso.

Nada se passa aqui de extraordinário:
Tudo assim, como peixe no aquário,
Sem relevo, sem isto, sem aquilo;

Muito bucólico a favor da besta,
O campo, sim, é esta coisa fresca...
Coaxar de rãs, a música do estilo.



Afonso Duarte, in Obras Completas, 1 - Obra Poética, Plátano Editora, 1974, p. 147.
Imagem: Ereira, Montemor-o-Velho, terra natal do poeta. Fotografia de autor desconhecido.

27.1.11

Livros Recebidos



Afonso Cautela, nome das minhas leituras de poesia na juventude, que agora retomo. Afonso Cautela é também um combativo e lúcido ecologista e percursor em Portugal do movimento ecologista. Oferta do meu amigo e editor José Carlos Marques, que chegou ontem e que publicamente agradeço hoje.


Do Sr. Changuito, com a eficiência do costume, chegou-me a encomenda, também ontem, destes dois livros. Só conhecia, de Ingeborg Bachamann, poemas avulsos. A selecção tradução e o prefácio têm a garantia de João Barrento, que se faz acompanhar de Judite Berkemeier. Este livro foi editado em 1992 e, passados 19 anos, ainda está à venda. É fácil tirar ilações, considerando a qualidade da sua poesia. Felizmente para alguns leitores, digo eu.

26.1.11

Dois vídeos



Se os governos do duo em alternância "democrática" fossem constituídos por homens (e mulheres) como o da imagem acima, não haveria a mediocridade que nos penaliza até à exaustão e que, em cima disso, nos controla com o fantasma real do desemprego, instituindo assim uma nova forma de censura e repressão do direito pleno à cidadania, que inclui a recusa e o protesto públicos contra o poder incompetente, mistificador e inimputável. Vale a pena seguir os dois vídeos até ao fim. Na primeira ligação, pelo exemplo que o entrevistado nos dá de lucidez económica e política, e também de esperança, e que tipo de pessoas, por comparação, seria necessário no governo; na segunda, pela inacreditável chafurdice e impunidade na coisa pública.

25.1.11

Uma jóia da poesia




Muy graciosa es la doncella,
¡como es bella y hermosa!

Digas tú, el marinero
que en las naves vivías
si la nave o la vela o la estrella
es tan bella.

Digas tú, el caballero
que las armas vestías,
si el caballo o las armas o la guerra
es tan bella.

Digas tú, el pastorcico
que el ganadico guardas,
si el ganado o los valles o la sierra
es tan bella.


Gil Vicente, in Las Cien Mejores Poesías de la Lengua Castellana, antologia de Luis Alberto de Cuenca, Espasa Galpe, 1998, 3.ª edição, p. 68-69.
Imagem: Donzela Nua em frente do Espelho, Giovanni Bellini, óleo sobre painel de madeira, 1515.

24.1.11

Presidenciais e a "democracia adulta"

O jogo eleitoral está viciado porque os princípios são uns e os fins são outros. O arranjo está feito para que mudem as moscas e o mesmo permaneça. Cavaco Silva e Sócrates ganharam as eleições, Cavaco porque teve mais votos, Sócrates porque arrumou Manuel Alegre, tal como fizera a Mário Soares nas eleições anteriores, e os quatro nunca deixaram de concordar com a urdidura do sistema de que Mário Soares foi, em Portugal, o tecelão-chefe.

Periodicamente, nas eleições, vira-se a casaca sem se mudar de cheiro e, como a casaca é só uma, umas vezes fica laranja, outras, cor-de-rosa, casaca pois de direito e avesso. O “povo”, diria que tratado com maior despudor que o da 1.ª República, escolhe, entre o laranja e o rosa, o lado da casaca que o há-de pastorear.

Nos media, tudo parece estar conforme. Essa nova raça, a dos politólogos, escamoteia cuidadosamente a realidade, a grande maioria escrevendo e falando em percentagens, assim ocultando a crueza dos números, que é esta:

Número de eleitores inscritos: 9.629.630
Votos em Cavaco Silva - 2.230.140
Votos em Manuel Alegre (*) - 832.006
Soma dos votos no sistema: 3.062.146

Os restantes votos expressos são votos de protesto: os votos recebidos pelos demais candidatos, os votos em branco e uma parte dos nulos. A abstenção funciona ainda como protesto, e também como demonstração de desinteresse, que não exclui a contestação abúlica, isto sem esquecer, claro, o Simplex dos cartões de cidadão, a que não poucos se agarram, como se isso fosse mudar alguma coisa.

O certo é que os votos nos candidatos do sistema representam 31, 8 %, menos de um terço, dos eleitores inscritos, e Cavaco Silva foi eleito por 23,16 % dos portugueses com direito a voto. Esta é a “democracia adulta e consolidada” de que o candidato presidente falava na sua campanha.


(*) O apoio institucional do Bloco de Esquerda à candidatura de Manuel Alegre deveu-se à busca de visibilidade. Saíram-lhe as contas furadas, e isso já serviu para pagar parte desse só aparente desconcerto.
 
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