7.1.07

Pêndulo, de Paulo Tavares


Paulo Tavares consegue em Pêndulo uma unidade coleante e, mais que isso, e a meu ver mais importante num livro inicial, a afirmação dos seus temas poéticos, que isolei em três grandes grupos, de forma incompleta e, na aparência, algo redutora, tanto que dos cinquenta poemas que compõem o livro, só quarenta e um me parece caberem nestes grupos.

O tempo, quer como abstração (no poema Pêndulo, um pouco também no poema Sonora Apatia), quer como relação, seja passado, presente ou futuro, nos poemas em que se entrecruza com os assuntos que o definem: Chuva de Verão, Tela Mágica, Criaturas de Zinco, Vozes Convulsas, Bordel, Os Grilos, Luzes Dispersas, Do Tempo Antigo, Tejo, Superfícies, Cerejeiras em Flor, Antes, O Pescador, Cicatriz.

A inadequação do real – muitas vezes descrito como abjecção suja, lixo – a si mesmo, aos seus anseios, sendo frequente a esperança como saída, ou intenção e rumo de vida como no poema de abertura Quando Cresci, em Estio, Allegro, Promessa. Cabem também neste grande tema da inadequação O Domador de Feras, Pela Manhã, Bonecos de Plasticina, O Rasto da Madrugada, Ferro sobre Ferro, Setembro, Sol, O Jogo dos Vivos, Rua Sésamo, Insustentável, Antes, O Palco dos Dez Mil Poetas.

Disse inadequação. Com mais ligeireza teria empregue o termo inadaptação. O que se passa é que o poeta não é inadaptado. Porquê? Porque recusa a sociedade em que vive e aspira a um mundo onde caiba, que possa adequá-lo a si mesmo e à sua visão dos outros. A diferença é tão grande que inadaptação tem um carácter negativo, de amorfismo, enquanto a inadequação, neste caso, é positiva, porque é um motivo de recusa, e o estado individual de recusa, sendo hoje o único possível nas circunstâncias do meio, é também uma semente que germinará com as outras, não sabemos quando. E a recusa, formulada na poesia de Paulo Tavares, é a dignidade da resistência ao meio que perpassa em alguma da poesia de hoje mais recente. Posto este esclarecimento, voltemos à taxinomia em que me meti.

O amor é terceiro grande tema, menos presente do que os antecedentes, atravessado com frequência pelo anterior, o da inadequação, e em geral abordado muito contidamente. A Caverna das Noites sem Fim,, Acredito, Anestesia, Theory of Everything, Queda no Abismo, A Tempestade, Poema Inicial, O Sabor dos Lábios, Theory of Everything II.

Desta arrumação, sobram nove poemas. Três não sei como classificá-los, porque, além de muito pequenos, não consigo em mim inteligibilidade para eles, a inteligibilidade que os outros quarenta e sete poemas permitem facilmente. Refiro-me a Se Eu Pudesse Apenas, De Tão Luminoso e Palavra de Honra. E se entram ou não a contrapelo dos restantes, isso é outro assunto, e um assunto menor no geral do livro.

Dos seis que ficam, dois são descrições poéticas do olhar, O Rapaz da Pandeireta e A Cidade Magnética; Miragem de Estilhaços é uma descrição introspectiva (com um saborosíssimo atrevimento sintáctico, que tem algo de concrectista); outro, Nas Árvores, refere-se à protecção da capacidade de sonhar, com algo de ficção científica, ficção onde outro poema, Nebulosas, vai beber para gravar uma relação de desencanto.

O último poema, Teorizar Magnólias é claramente um poema de fecho, de carácter metafórico e de poética.

Mas estas classificações nunca poderiam ser estanques entre si e apenas servem para melhor avaliarmos a riqueza temática de Paulo Tavares. Nem tudo fica dito. Poderíamos subdividir o primeiro tema, o tempo, em subtemas, como a morte, em Bordel, Os Grilos, Tejo (que no poema me parece o Letes), a infância, etc. E os outros, do mesmo modo. Seria fastidioso ir mais longe. E o que escrevi basta para imaginar a amplidão temática.

De versos largos a versos mais curtos, com eles surpreendeu, entre outros, no poema de abertura Quando Cresci; no poema de grande hausto Do Tempo Antigo “- gente morta antes de morrer que gastou os dias / a esconder as mãos com frio do destino. // Quiseram ser isto ou aquilo / - mudar o mundo – e perderam-se nestas ruas / a fragmentar as pedras, a tentar criar pele e carne / para os seus esqueletos nus.”; no Anastesia, em que surgem versos tão fundos como estes, que nos sangram, mudando o “Transforma-se o amador na coisa amada” de Camões numa espécie de maldição do nosso tempo – e assim suscitando a revolta por nos irem levando o que a vida tem de bom -: “(...) beijaram-se / os dois / no confronto da noite /com uma paixão maior do que a força das navalhas / e depois de brindarem ao desespero / penetraram os destroços / abraçaram as sombras // renasceram anestesiados / na aflição contrária.”; na Tristeza Maligna; o desoladíssimo Ferro sobre Ferro, de uma beleza pungente e a mestria destes versos: ”(...) e eu olho este desinteressante corroer de almas /que friccionam os corpos dia após dia após dia”, imitando a cadência do comboio em que o poema se passa; O Sabor dos Lábios; o fascínio do poema Os Pescadores, e outros, peco por omissão.

Um livro que me apressei a comprar e que veio confirmar o que eu já sabia: a qualidade poética de Paulo Tavares, Astrophil na blogosfera.

Quando descobri este poeta num blogue, há anos já, recordo-me da alegria que tive. É que, nascido em 1977, representou para mim a certeza de que a poesia não morreria, que poderia viver por muitos anos fora do espectáculo mercantil da nossa Betesga literária e da vulgaridade de palavras e métodos de que ela se alimenta e vive.




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