Hoje respondi ao e-mail de um amigo. Depois de ter editado o seu primeiro livro de poesia, começou há pouco a escrever um romance. Disse-lhe o que sabia, dei-lhe outra comparação, mas a que estará mais próxima da gestação de um romance é a de um edifício como obra de arte. A ideia, o esboço, o anteprojecto, o projecto, a construção a pouco e pouco, vigiada, alterada aqui e além, os acabamentos tão demorados. Tudo muito mais difuso, se é que existe alguma aproximação com a construção meticulosa de um edifício, e, a existir, penso, não será regra. Regra, exigência é possuir uma enorme capacidade de trabalho e uma persistência de rocha. Robert Musil demorou mais de vinte anos com Um Homem sem Qualidades, e não viveu para o acabar. Não sei quanto tempo demorou Jorge de Sena com o também incompleto e admirável Sinais de Fogo, para que tinha um projecto de grande amplidão que a morte não deixou concluir. É certo que o tempo mudou, que tudo é mais breve e que os exemplos que dei são extremos. Mas hoje estar sentado meses, não sei se mais de um ano, a escrever x horas por dia, quando não de atacado, é um feito. Com as excepções que sabemos do passado, por isso é que os autores só de poesia são em geral ociosos, sobretudo os contemporâneos, tão fácil é escrever duas dúzias de versos (que me perdoem a verdade). E mesmo a organização de um livro de poesia, para muitos o cabo dos trabalhos, e sou dos que concordam com isso, o que é essa organização face à disciplina, à força de vontade, à exigência para consigo próprio que a criação de um romance impõe? Impressionante abnegação e persistência, quantas vezes a entrega a uma vida paralela e irreal, com o mundo a cintilar no exterior. Oxalá o meu amigo não ouça as sereias que estão para lá da janela. Que corra as persianas, que se esqueça dos poemas, enquanto preenche as folhas tão longas que os romances têm quando ainda brancas.
Há 3 horas
2 comentários:
Palavras muito sábias, nd.
Um abraço.
Abraço, surja sempre, gosto de o ver por cá, já sabe.
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