29.7.09

O relapso ponto de exclamação

Foi Inês Ramos , no seu Porosidade Etérea, que me alertou para o fumo que vai por aí. A causa é a fogueira a que foi condenado o relapso ponto de exclamação.

E isto de pontos de exclamação, afinal, tem pouco que se lhe diga, apesar de outros tiques gráficos terem muito mais que contar e nada se dizer. O caso, porém, é que estou pelo uso menos que parco do ponto berrante. Aqui, noutros lugares e em papel impresso, quanto me lembre, usei-o uma vez, refiro-me a poesia. Afinal, se o ponto de exclamação existe, é para ser usado, pese a arrelia e o trabalho que o dito me deu, posto e tirado de um poema dez vezes, pelo menos, e finalmente deixado ficar (em boa hora).

Pedro Mexia afirma que o uso do ponto de exclamação prejudica a ambiguidade do texto, justificando: «(…) quando a ambiguidade me parece uma das características mais fascinantes da linguagem.» Ora, se opiniões cada um tem as que quer, já o ser-se propositamente ambíguo (se ambíguo significar polissémico) me parece batota e não uma boa característica da linguagem. Não será por aí. É o próprio ritmo do texto, a sua construção e seu sentido que vão determinar a anulação do mal-educado grito pontuado. Pode ser isto a que Pedro Mexia chame «formas engenhosas».

Todavia,

experimente ir a um bom restaurante de cozinha de autor e leve uma companhia que raciocine como eu. Ao longo do menu de degustação, vão referir-se baixinho à excelência das matérias-primas, às ligações divinais e menos divinais de texturas, sabores, temperaturas e suas oposições e sinergias mútuas, à descoberta de outras cozinhas na cozinha base, ao prazer do calor de vinhos escolhidos por quem saiba e não engane. Não lhes passará pela cabeça sequer usar pontos de exclamação.

Afinal tudo é delikatessen.

No entanto,

se for uma pessoa como eu, tão eclética de lugares como esquisita de boca, e se, num restaurante de terceira, tiver comido uma portuguesíssima feijoada com tudo, desde a orelha fumada ao salpicão do cachaço, passando, pela moira, chouriça e pelas carnes gordas com sal de três dias (sem esquecer o rabo) e um tintíssimo de 14º que não mereça dúvidas, além da sorte que teve, não vai falar assim:

- ai, pá      valente feijoada. e o vinho      grande vinho

Usará pelo menos dois pontos de exclamação, endireitando a escrita, para não parecer que está com os copos:

- Ai, pá, valente feijoada! E o vinho? Grande vinho!
 
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