22.12.08

Historieta para Uma Pessoa que não Gosta de Perdizes


Cópia da aguarela de Audubon O Falcão a Atacar Perdizes, 1827

Era uma vez uma avestruz e uma perdiz. Um dia em que chovia se Deus a dava, o mesmo é dizer que chovia a potes, um dia ambas resolveram ir até Mondim, a perdiz montada na avestruz. A avestruz parecia mais um cavalo de duas patas a correr pela serra abaixo, com a perdigota em cima. Galoparam, galoparam, até que chegaram ao destino, e aí não chovia, estava um sol de Agosto, e viram uma dama magrinha à janela a chorar tanto como chovia na terra de ambas.

A avestruz parou, compadecida, e perguntou à dama magrinha e desgostosa:

― Porque choras tanto?
― Oh, não digo, a ti não digo! ― exclamou entre soluços.
― Mas diz, talvez eu possa dar remédio a tamanha tristeza.

Porém, a dama magrinha calava-se e chorava como chovia na terra das outras duas. E assim estiveram vai, não vai, diz, não digo, até que o senhor abade passou ali e parou diante da cena de uma tristeza bucólica mais própria de éclogas que de prosa.

― Porque choras? ― perguntou o padre. ― E que está aqui a fazer uma perdiz a cavalo numa avestruz? Fugiram de algum circo?

A dama magrinha nem teve tempo de responder. A perdiz, ao ouvir tamanho insulto (e muito maior será se pensarmos que é uma ave livre), a perdiz lançou-se como um toiro contra o cura, que tentou enfrentá-la e depois não teve outro remédio senão fugir aos gritos:

―Vade retro, Satanás! Vade retro! Excomungo-te para sempre!

O certo é que a dama magrinha deixara de chorar e ria tanto, tanto que os seus olhos pareciam duas estrelas de luz.

― De que te ris agora? ― perguntou a avestruz, apalermada. Não percebia nada, porque era grande como um cavalo e tinha o cérebro mais pequeno do que uma avelã, aliás como todas as avestruzes.

― Uma pessoa só se ri do mal, mas foi castigo de Deus ― disse a dama. ― Enquanto as confissões foram frequentes, a penitência era sempre a mesma: perdiz! O pecador devia trazer-lhe uma, duas ou três perdizes, consoante o peso da absolvição das suas culpas.

Moral da história, que são três, como as perdizes do confessionário:

Primeira: não há sol que sempre dure nem noite que nunca acabe.
Segunda: o mal que se faz paga-se e não se paga neste mundo.
Terceira e última: as aves não se medem aos palmos e a história passou-se no tempo em que a caça abundava e os homens pareciam um nada mais parvos.

© nd

2 comentários:

Fred Matos disse...

Ah! meu amigo, estou rindo tanto quanto a dama magrinha desta fábula deliciosa.
Grande abraço

Amélia disse...

Não ri...mas sorri...:)

 
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