11.9.09

Jorge de Sena



Pousaram enfim as ossadas de Jorge de Sena, já que ele em vida pôde pousar pouco, inclusivamente depois do 25 de Abril, era ministro da Educação Sottomayor Cardia. Sem dúvida que Jorge de Sena ficaria a olhar para muitos que acompanharam os seus ossos durante a cerimónia de hoje. Comover-se-ia, talvez como tantos de nós, com as palavras de Eduardo Lourenço, seu amigo de letras e de exílios. Já não é tanto o poeta que se quis calar e que se invejava por ser grande. Cada vez se vai apercebendo mais a sua importância na poesia portuguesa posterior, desempenhando já hoje um lugar semelhante ao que teve Fernando Pessoa. Não esqueço a sua batalha pela poesia inteligível, com o que fez e obteve fundas inimizades. Mas ganhou, sem ter sabido que ganhava. Ela aí está, de várias maneiras, a poesia que se percebe.

Camões Dirige-se aos seus Contemporâneos


Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

Jorge de Sena
 
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