2.2.11

No fim do silêncio, este livro




Embora eu tivesse recebido os primeiros exemplares do livro em 19 de Janeiro último, vindos da mão atenta de Vitor Silva Tavares, penso que por acaso de edição e seguramente da génese do texto poético, K3 sai para as livrarias amanhã, 3 Fevereiro, véspera de um cinquentenário. No dia 4 deste mesmo mês de 1961, há cinquenta anos portanto, estalava a guerra colonial em Angola. Menos de dois anos depois, em Janeiro de 1963, alastrou-se à então dita Guiné Portuguesa, onde estive como mobilizado entre 1968 e 1970, começando logo por ir parar ao K3, aquartelamento de temida fama, então abaixo do nível do solo. É da minha presença nessa guerra que o poema trata, segundo um plano cronológico, ocupando todas as 56 páginas de texto do livro.

Esta nota foi-me exigida pela especificidade do assunto do poema, povoado por anti-heróis / que não chegam a ser anti-heróis, // são uma chapa com número / no fio ao peito, à prova de fogo.

A ilustração da capa foi concebida e realizada, em técnica mista, por Maria João Lopes Fernandes, amiga e pintora cheia de talento, com quem tive o prazer de dividir o livro.

Deixo um trecho do poema, p. 34 a 36.

(...)
Deve dizer-se aos místicos
e àqueles que acreditam
em destinos supremos

que o chão da humanidade
é um palimpsesto de esperma e sangue
com pegadas em volta
da cama das mulheres em tempo de guerra,

como em redor da esteira
de Djariato,
numa palhota de há mil anos,
uma era tão diversa,

os soldados nos anos do poema,
a desejar-lhe o belo tronco nu,
os seios empinados,
o ventre liso,
a tanga que caísse.

Agora
Djariato regressa
inacessível como antes,
a pele de canela
que enlouquecia
a companhia inteira,
nem um tremor na face altiva
a perturbava.

Quem sabe olhá-la
dê um sentido mínimo ao passado,

à minha juventude assassinada,

de forma a que a lembrança,
em vez de recordar
o bafo de calor,
os ataques ao K3,
as casamatas
enterradas no solo a arder,
guarde a imagem de um corpo esguio,
fantasiando a noite,

mas não a vida dela,
não sei, nunca mais soube nada do seu povo.
(...)
 
Free counter and web stats