3.6.11

Poesia #5



Se eu escrevesse um poema, digamos assim, como o que passo a escrever,

as minhas mãos rasgam as pedras
na geografia da noite
e o pólen cai nos lagos de todos
os naufrágios,
instalou-se a gramática
do verbo
no meio da paixão,
sopro frio
que não te deixa levar de mim.
morremos
executores do gesto
aleatórios
e as árvores gritam
salvai-os
em direcção às estrelas
ocultas no basalto dos dias.

teria de pôr, na boca de um imaginário entrevistador, as seguintes questões para meu uso exclusivo, porque todos são livres para mim, menos eu.

- Sabe explicar o que escreveu, tintim por tintim?
- Nem por alto, quanto mais por miúdos.
- Usou a subconsciência para o escrever?
- Não.
- Se pusesse as palavras todas dentro de um copo de póquer, as jogasse na mesa e as dispusesse pela ordem da mais longe para a mais perto, faria diferença?
- A ordem arbitrária seria outra.
- E o sentido?
- Que sentido?
- Vamos por outro lado. Que me tem a dizer sobre a polissemia em poesia?
- É um direito do leitor.
- E seu?
- Enquanto leitor, é claro que é.
- E quando escreve?
- Para mim então é um dever não ter esse direito. Tenho que saber o que digo.
- A poesia não é mistério?
- Não é mistério nenhum. E depois não estamos em tempo de mistérios nem de vestais do puro, como dizia o poeta.
- Então voltamos à poesia engajada?
- Qual engajada, qual carapuça. Engajada com a lúcida consciência do mundo, isso, sim, e com a beleza possível e os assuntos eternos da poesia, nas circunstâncias do nosso tempo.
- Não se zangue.
- Não me zango. Trago-lhe até, se quiser, uma harpa com cordas de astros e, enquanto a tange, a ninfeta dança na neblina dos serralhos do mar.
- Muito obrigado pela harpa, fica para depois.Tenho de me ir embora. Talvez volte.
 
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