Johannes Bobrowski (1917-1965), nasceu em Tilsit, então Prússia, depois RDA e hoje cidade integrada na República Federal Alemã. Foi opositor ao nacional-socialismo, tinha contactos com a resistência cristã e, como muitos deles, foi mobilizado para o exército nazi. Com o posto de primeiro-cabo, esteve na Polónia, em França e na URSS. Prisioneiro de guerra dos soviéticos entre 1945-1949, trabalhou numa mina de carvão. Libertado, foi para Berlim Leste onde foi editor. Tais circunstâncias históricas fizerem deste poeta um nome pouco ouvido e ainda menos lido. João Barrento redimir-nos-ia dessa falta com Como um Respirar, colectânea de poemas de Bobrowski por si traduzidos, editada pela Cotovia em 1990. O livro esteve esgotado na editora e sei que depois surgiram sobras de livrarias. Não sei é se as sobras ainda sobram. Se ainda as houver, aproveite. Sente-se que é uma tradução excelente. E quem tiver tanta curiosidade pelo poeta e não souber alemão como eu, vai, além disso, em busca dele noutras línguas como fui à de aqui ao lado, País Sombras Ríos, datado de 1962 e com tradução em castelhano de 2008, comprei-o na editora, que não cobra portes. Há ainda, vertido para castelhano em 2001 o livro póstumo, Indicios Atmosféricos, de 1967, também na respectiva editora, ou em qualquer livraria espanhola on line, livro que não tenho. O melhor, é óbvio, seria saber alemão, Bobrowski é um poeta de tradução muito difícil, já João Barrento escrevera na introdução a Como Um Respirar: “(…) cheguei a uma conclusão: tudo o que tinha a fazer era a transpor mesmo «fielmente» os textos de partida”. O que se passa vai além desse princípio. Há poemas que são impossíveis de transpor à letra. Não vejo como poderemos traduzir para português estes dois versos magníficos de onomatopeia, do poema Wintergeseschrei (Gritos Invernais), p. 54 de País Sombras Ríos:
"Krähen, Krähen,
grünes Eis, Krähen."
Como a tradutora espanhola, Clara Janés?
"Cornejas, cornejas.
vierde hielo, cornejas."
Não, como a tradutora espanhola, não. Definitivamente. A versão à letra do português, a meu ver, seria melhor, mas claramente longe do original onomatopaico Krähen que Bobrowski, não por acaso, repete três vezes.
Corvos, corvos,
verde gelo, corvos.
verde gelo, corvos.
Se não souber, ouça a pronuncia de Krähen aqui.
Idem, o grasnar de um corvo.
Também, no mesmo poema, há um verso cuja tradução castelhana se afasta até aos antípodas da proximidade que João Barrento exigia para si, nas suas traduções de Bobrowski.
"Schnee, er stäubt nicht
wenn ihn ein Flügel streift,
Vogel, Strauchvogel"
Traduzido para castelhano por Clara Janés:
"Nieve, no levanta polvo
quando tu vuelo la roza,
ave, pajarraco (…)"
ave, pajarraco (…)"
A tradutora utiliza o termo pajarraco, derivado de pájaro + aco. O sufixo aco em castelhano confere ao termo um tom depreciativo . Pajarraco, como o nosso passaroco.
Isto, quando até o tradutor do Google permite melhor, sem eu saber de alemão mais que contar até vinte:
Neve, não levanta pó
se uma asa a roça,
ave dos arbustos, ave(…)
se uma asa a roça,
ave dos arbustos, ave(…)
No entanto, expressa de forma coxa a ideia de voo, a palavra dos faz a ave embrulhar-se no ar, e no original “Vogel, Strauchvogel”, a ave parece que bate as asas e vai. Só um poeta grande tem esta intuição quase plástica na escrita. Pena é que só agora eu chegue à conclusão de que a tradução de Clara Janés esteja tão abaixo da qualidade mostrada por João Barrento, não é preciso saber alemão para as distinguir com toda a clareza. Lá que eu torcia o nariz aos poemas de tradução castelhana, isso torcia, porém mais uma vez adiava o enfrentamento com o livro. Não queria, no íntimo, perder a oportunidade que a compra do livro me daria. Mas algo se aproveitará. Mesmo na leitura dele. E também ideias de como não se deve traduzir e o título dos poemas que me fará ir em busca de outras versões. Quem traduz deve respeito não só ao traduzido, como ao leitor (exigente) e a si mesmo. Verei quando poderei colocar aqui traduções do poeta de Tilsit. Johannes Bobrowski deixou-nos uma poesia diferente, fora do que então era canónico, testemunho solitário de um tempo histórico e estético, uma poesia grande que interessa conhecer melhor.
(Texto escrito para aqui.)
(Texto escrito para aqui.)