19.11.12

Poemas políticos #1 - Monólogo de um Crente em Crise de Fé




Senhor, nós que tivemos
carros velozes,
comprados aos teutões do rio Meno,
voando pelas auto-estradas
e fazendo amor neles como sobre a relva
de um filme americano;
nós, os nautas, que andámos
a calvagar a luz em gigabites
nos ecrãs fabricados 
pelos netos de Mao Tse-Tung;
nós, semi-deuses calmos
em nossas casas, não pensámos
que a Great Corporation
fingiu facilitá-las mensalmente
com o nosso dinheiro
e o fito da invasão
calculada ao milímetro,
desde que acreditámos na
grande democracia;
nós, que nos apurámos
em civilizações contínuas
e vimos o rosto à mais pequena célula,
e traçámos estradas no Universo,
medindo a chegada aos astros
em milhões de anos-luz
matematicamente certa,
hipoteticamente possível no futuro
para nossa alegria e glória humana:
Senhor, que ínvios caminhos são os teus
que devoras o que ganhámos
com o suor do nosso rosto, como dizes,
e nos fizeste servos sem Espártaco,
e cedeste a água, o vento, povos e países
à Great Corporation,
e dás-lhe o nosso sangue
sempre que precisamos dele
e as ervas que apurámos contra a morte
ao longo de milénios,
e preparas a guerra interminável,
afinal, Senhor, deveremos escutar
a pregação de Paulo ou as palavras
do teu filho que não vêm no Livro?

© Nuno Dempster


Nota: Bem mais que ocultos nas páginas de um volume, os poemas sobre este tempo conturbado devem ser públicos, estarem à mostra para quem os queira ler e serem distribuídos em panfletos digitais e de papel. Penso que não vivemos um tempo difícil como o entendemos mais comummente, porque tempo difícil parece-me pressupor um tempo fácil. Vivemos um tempo de mudança, um tempo árduo, talvez mais longo do que porventura esperemos, sem a  justiça por que muitos de nós anseiam e actuam. A História tem partos dolorosos e demorados. Pensemos que quem a assiste somos nós e que temos de o fazer bem. Este é o primeiro de não sei quantos poemas.
 
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