Muitas cabeças hão-de vir da Argólida.
De cada uma esmagada na revolta,
nascerão duas
como no tempo de Héracles.
Aqui não mora o monstro,
aqui só há cabeças cuja morte
é logo preenchida em dobro,
ainda que se pense
terem sido abatidas todas.
O segredo desse poder
está guardado atrás de uma cortina
com pulsações de luz e cor,
do tempo da fartura enumerável
em milhares de quilómetros
de folhas de inventário e cálculo de juros.
Daí que não se veja,
embora fosse fácil,
daí que o monstro ria.
Já não precisa de homens,
por enquanto só de olhos e mãos
para o moto contínuo
das impressoras.
Não precisa de exércitos,
tem robôs de carne e osso e aeronaves
de ficção científica,
sem pilotos, de morte aleatória
e livre de problemas de consciência,
não tarda prontas
a arrasar as cidades que se oponham,
enquanto liquefaz a vida em ouro
e o sorve em rios como o da morte.
Héracles venceu o mito, que esmagou:
a cabeça central era o segredo.
Voltou porém o monstro, e esconde-se
no cimo da mais alta torre,
a
mais secreta, pensa.
Rodeado de rostos duros e olhos frios,
confunde-se com estes.
São poucos, muito poucos, e humanos,
fracos como mortais que todos somos.
© Nuno Dempster
© Nuno Dempster