Para
pouca sorte minha, às oito já se vê uma longa fila no passeio para o centro de
emprego, gente de todo o género, nova e menos nova, branca, preta, homens e
mulheres, abundam calças de ganga e roupa barata e de muito uso;
contraditoriamente, sou o mais bem vestido, há quem me olhe com desdém, ouço a
um homem atarracado é mais um com a mania de que ainda é engenheiro, aqui
somos todos iguais, mas eu, não, não sou nem me sinto igual aos da fila que se
alonga cada vez mais. Não tenho nada a ver com eles por razões opostas, ter
sido empresário e ter dormido na rua, nunca eles tocaram tão alto nem tão
baixo, a diferença é essa, irreconciliável como a indumentária que comprei,
parece que venho para uma reunião de negócios, na verdade desconhecia o que era
um centro de emprego e a vida desta gente que, afinal, nasce de um chão raso e
extenso que nunca pisei. A minha qualidade de sem-abrigo é como seja aqui uma
desvantagem, de algum modo a expiação de um erro inadmissível que pressentirão
em mim, no qual prevalece o empresário que fui, basta olhar a roupa
discordante que trago, aqueles homens e mulheres taciturnos e pardos no rosto e
no vestir vêm de longe, carregam geração após geração essa marca que a vida
trata de espalhar como uma nódoa cancerígena, ensombrecendo-lhes os olhos e
deformando-lhes o corpo. Um doutor, como me chamava Mateus, não pode falhar, andou
a estudar então para quê? Eles sabem para quê, para saírem do limbo em que
todos vivem do nascimento à morte. Nos últimos cinquenta anos, um ou outro irmão
foi estudar para uma universidade com a renúncia dos que ficaram, por isso não
podem fracassar, é injusto para os que se viram preteridos, de modo que eu
serei sempre, para eles, uma excrescência, um tumor na longa fila à procura de
trabalho.
© Nuno Dempster