17.11.08

Do urbano


Ontem comi castanhas de Sernancelhe, acompanhadas de uma bela jeropiga, parecia vinho rosé na cor, muito límpida, espessa e agridoce, e se tivesse visto o meu vizinho blogger por ali, seria uma boa altura para nos conhecermos. Mas como? Somos todos estranhos, mesmo numa cidade de província como esta (caberiam umas duzentas em Londres). Lembramo-nos da rapariguinha do shopping, mas não sabemos nada dela, lembramo-nos do homem da farmácia ou do café, mas nem pensamos onde moram, vemos a velha das minha rua que dormia com o seu galo e não sabemos como ela, ano após ano, resiste a tanta porcaria imaginada. Sucede é que nos organizamos em pequenas células cada vez mais estanques, com as mesmas caras, com os mesmos cenários, com as mesmas rotas urbanas, e os nossos semblantes assemelham-se a escudos anti-invasão. E acabamos por nos libertar quando saímos rumo a qualquer ponto cardeal, o rosto já aberto ao dos outros. Porquê? Porque são de longe. Apesar de ler o meu vizinho através de um qualquer centro de dados da Google na Europa, o meu vizinho continua perto. E, no entanto, estou seguro de que seria agradável debulharmos juntos as melhores castanhas do país e falarmos, beberricando daquela jeropiga. Não é a internet que cria a solidão. É a liquidação, no quotidiano, do homem como ser gregário, a sua divisão e compartimentação em pequenas e inofensivas células urbanas. Inofensivas, desconfiadas e sem voz. Mas, neste ponto, a história das castanhas e do meu vizinho blogger já deveria ter acabado.

1 comentário:

Fred Matos disse...

Uma análise perfeita da atual "civilização".
Grande abraço.

 
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