9.7.19

O Universo & Outras Ficções, de Carlos Alberto Machado.


Uma das principais características de O Universo & Outras Ficções, de Carlos Alberto Machado (C.A.M.), com edição de Companhia das ilhas, no corrente ano, é a boa surpresa que me causou, e causará aos demais leitores, o modo de se entrar na narrativa de quinze ficções, como o autor qualifica as histórias logo no título do livro. 

Miguel de Saavedra chegou a Dublin com o amigo e vizinho; estão no Atrium, assim se intitula a entrada do livro, por onde se passará para a narração das histórias; Pierre Menard, personagem de um conto de Jorge Luís Borges, no livro Ficções, será aqui personagem do Atrium, tal como Miguel de Saavedra, e a presença em espírito de José Luis Borges, presença marcada pela autoria dos últimos textos escritos por si, que Menard quer depositar nas mãos de Saavedra, e também pelas abundantes epígrafes usadas por C.A.M., e, a meu ver, ainda como partícipe no título O Universo & Outras Ficções. Estas duas personagens e o espírito de uma terceira, Jorge Luis Borges, estão presentes apenas no Atrium, entrada com seis páginas, e daí não passam. A justificação da sua presença é revelar o título dos últimos textos do escritor argentino, que é – nem mais O Universo & Outras Ficções, de C.A.M.. 

Deve ter sido um grande divertimento para o autor escrever este Atrium, aliás é uma característica de Carlos Alberto Machado manipular a realidade narrativa com uma desconstrução das personagens através da ironia bem-disposta, levada até à irrisão e ao nonsense. 

C.A.M. não é, de modo nenhum, um epígono de Borges, aqui o escritor argentino é apenas um meio de construção do Atrium, sem influir nas palavras, situações e contos. Vincado, sim, é o carácter estranho de muitas personagens e situações, e sempre que leio C.A.M., vem-me à ideia como as suas criações ficcionais em prosa parecem partilhar de algumas características do Teatro do Absurdo, como a paródia, falas com a presença de clichés e frases feitas, sobretudo em calão, a exploração do ilógico, do insólito, da estranheza, da linguagem baixa, da inutilidade humana, da violência, mas também de histórias, mais de fantasia do que de fantástico, que não existe no livro, de tudo isto está atravessado O Universo & Outras Ficções, estou a lembrar-me dos excelentes contos O Universo, Ur,  História Moral, Filosofia Analítica, sem que este lembrar-me retire o equilíbrio que o conjunto forma.  Uma obra engenhosa e bem conseguida, original, de leitura corrida, sem rodriguinhos.
 
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